terça-feira, outubro 15, 2019
quinta-feira, setembro 13, 2018
Sarjeta.
Olhe pra essa página.
Pra ela funcionar, você tem que participar. Tome o tempo que quiser. É você quem dará vida aos desenhos, é você que fará a água correr pela sarjeta. É você que pode viajar pelos escritos de todo o lixo que é tragado pelo bueiro. É você a única testemunha da pequena história que só se revela no último quadrinho. Mas pra tudo isso funcionar, depende de você.
Agora imagine esse mesmo episódio em um filme. Funcionaria? Talvez uma câmera lenta que nos desse tempo de ler a carta no final. Mas ainda assim, teríamos tempo pra ler a mensagem? E a câmera lenta não quebraria o ritmo?
E se fossemos narrar esse episódio na forma do conto escrito? Funcionaria? Poderíamos descrever como bem entendêssemos a água deslizando pela sarjeta, o lixo sendo arrastado por ela. Usar um texto mais objetivo ou perfumar a descrição com alguma poética. Ainda assim, os desenhos, a imagem, deixam muito mais espaço para o leitor aplicar toda sua própria poética.
Cada linguagem tem sua própria engrenagem, suas regras e limites. Às vezes, esses limites podem ser uma vantagem. Pra mim, a ideia acima funciona bem porque é uma história em quadrinhos. Estou certo de que ela não poderia ser melhor representada se fosse um filme ou um conto. Talvez uma música...
Fragmentos são arrastados pela sarjeta. A grande maioria é puro lixo, besteira, garatujas incompreensíveis. Mas, se nos déssemos ao trabalho de olhar com cuidado, com sorte, perceberíamos uma pequena tragédia, ou comédia, escorrendo por ali. Pedacinhos de vida legítima. Um fragmento na sarjeta e a partir dele você pode preencher o resto do quadro como quiser.
Nas histórias em quadrinhos, o espaço entre um quadrinho e outro é chamado de sarjeta.
É na sarjeta que o leitor constrói a história, amarrando o significado de um painel a outro. E aqui, o que se desenha e escreve é menos importante do que aquilo que não se desenha, nem escreve.
Matar um homem entre os quadros significa condená-lo a milhares de mortes (Scott McCloud, Desvendando os Quadrinhos)
Na vida real, a sarjeta extrapola os limites da rua para os papéis nos cestos de lixo, as pixações na porta dos banheiros, os quartos vazios e desarrumados, as janelas dos prédios que se parecem tanto com quadrinhos em uma página. Os gestos e olhares de uma pessoa.
A página que abre o post é do livro Nova York: a vida na grande cidade, de Will Eisner, lançado por aqui pela Companhia das Letras.
A vida é rica, a cidade é pulsante, as pessoas são apaixonantes e Eisner mostra isso tão bem que estou sorrindo até agora. Velhinho observador, ele coleta histórias de mendigos, velhos solitários, vizinhos dos bairros pobres, amigos de rua, perdidos da cidade. Aquela gente feia pra quem você não dá a mínima.
As Pessoas Invisíveis e suas pequenas tragédias.
O que a obra de Eisner escancara é a solidão. E é estranho notar como, mesmo no meio de tanta gente, tanta gente esteja sozinha.
Engraçado, não acha?
(Esse texto foi publicado originalmente nesse blog em meados de 2012).
(Esse texto foi publicado originalmente nesse blog em meados de 2012).
sexta-feira, agosto 03, 2018
Quadrinhos para barbados
O Quadrinhos para Barbados é um projeto bem bacana com entrevistas e depoimentos de diversas pessoas envolvidas com a produção de quadrinhos nesse Brasilzão. Tive a oportunidade de falar sobre A Caixa de Areia, um dos meus quadrinhos favoritos de todos os tempos.
segunda-feira, julho 30, 2018
Vertigo
Esse fim de semana eu li Vertigo: Além do Limiar, um projeto bem bacana do pessoal do Guia dos Quadrinhos celebrando os 25 anos do selo Vertigo.
Reunindo os chamados "títulos adultos" da DC Comics, isto é, as novas abordagens narrativas de gente como Alan Moore, Neil Gaiman e Grant Morrison, a primeira edição da Vertigo foi o número um da minissérie em três partes Death: the High Cost of Living, de março de 1993.
Lembro que me surpreendeu, na época, um erro de impressão. Na terceira e última edição americana, uma sequência que se estendia por uma dupla de páginas foi publicada em páginas separadas. Na versão brasileira, publicada pela Globo e Devir em 1994, o erro foi corrigido.
Foi muito delicioso ler Vertigo: Além do Limiar. Um monte de textos de fãs contando suas lembranças e impressões pessoais dos títulos e textos com considerações e análises que eu nunca tinha pensado. Destaco o texto de Marcela Godoy sobre Preacher. Fantástico.
Me bateu uma puta nostalgia. Acompanhei o nascimento da Vertigo como leitor e foi muito bacana. Inclusive, mexendo nas minhas coisas achei essa revista Vertigo, de janeiro de 1993, que trazia previews dos quadrinhos e explicava a proposta do título. "Se você já não nos conhece, você provavelmente nos viu por aí", escreveu Karen. Eu conhecia.
E ainda estamos por aí.
quarta-feira, outubro 30, 2013
Oi, eu fiz um gibi!
E agora que eu tenho a revista (clique aqui) em mãos, impressa, bonita e cheirosa, eu fico me perguntando: por que não fiz isso antes?
Essa é a resposta:
Eu sempre tive vontade de fazer um quadrinho meu. Acho que praticamente todo mundo que curte quadrinhos já quis produzir seu próprio material. Como diz o Scott McCloud, é tudo muito simples: você só precisa de papel, lápis e talvez uma borracha.
Lógico que esse "muito simples" vai se complicando exponencialmente à medida em que você cogita a possibilidade de realmente publicar um material seu.
No meu caso, existiam três razões que me faziam desistir da ideia de publicar um quadrinho:
- Eu não teria como imprimir.
- Eu tenho uma preguiça monstruosa.
- Eu achava meu material muito fraco.
A questão da impressão foi posta abaixo nos últimos anos. Vi muita gente talentosa se virando pra fazer sua própria tiragem. Eram os tais autores independentes. Vitor Cafaggi, Eduardo Damasceno, Felipe Garrocho, Pedro Franz, Danilo Beyruth, José Aguiar, André Diniz... Muita gente. Conheci esse pessoal todo em eventos como o FIQ e a Gibicon. O processo de impressão ainda é caro, mas não é mais tão inacessível e é possível pagar uma tiragem com uma gráfica decente, se você se planejar. Eu, por exemplo, deixei de fazer umas viagens e apertei um pouco o cinto, pra juntar em dois anos dinheiro o suficiente pra imprimir o meu gibi.
Assim, o primeiro limite caiu por terra.
Esse foi fácil. O segundo foi mais complicado.
McCloud estava certo: fazer um gibi é simples. De certo modo. Mas também dá trabalho. Muito trabalho.
Elaboração da história, roteiro e decupagem, criação de personagens, estudos de ambientes, 55 páginas desenhadas a lápis em formato A3, finalizadas com nanquim, digitalizadas, tratadas, balonadas e letreiradas, mais o projeto da edição com elaboração de capa, produção gráfica... Calculo que, se eu tivesse dedicado uma jornada de trabalho de 8 horas diárias, de segunda a sexta-feira, exclusivamente para o desenvolvimento dessa história em quadrinhos, eu teria levado uns quatro meses para finalizá-la.
O fato é que eu não tinha quatro meses pra me dedicar exclusivamente pra ela. Trabalho como professor e comecei o doutorado esse ano. Atividades que, por natureza, ocupam todo o espaço de tempo que encontram. Daí, novamente veio o contato com outros autores. Sujeitos como o Beyruth, que também não têm as melhores condições do mundo pra trabalhar e ainda assim produzem e produzem bem.
No fim, tudo é uma questão de prioridades. Ou de amor mesmo. Deixei de viajar nas férias pra juntar dinheiro pra impressão e também pra trabalhar o máximo possível durante esses dias de "folga". Trabalhei também em fins de semana, de madrugada, em quartos de hotel durante congressos, enfim, sempre que pude.
O combate com a preguiça e a procrastinação é uma coisa que não tem fim, uma briga que eu acho que sempre terei que enfrentar. Afinal, sou um preguiçoso. Tardes ensolaradas e ociosas fazem meus olhos brilharem. Mas terminar páginas de quadrinhos também. E o cheiro de um livro impresso novinho...
Finalmente, o terceiro limite: a falta de confiança e o medo de errar. O fato é que nunca estive satisfeito com o meu próprio trabalho. E provavelmente nunca vou estar. Sempre fiquei esperando o dia em que eu fosse "maduro" pra poder produzir algo, mas esse dia parece que nunca chegava. O que me ajudou muito a superar essa barreira foi meu trabalho como professor. Porque eu leciono desenho e ilustração.
Nas aulas, eu percebia que um dos maiores problemas dos alunos não era a falta de habilidade, mas, muitas vezes, um elevado e paralisante senso de autocrítica. Medo de não conseguir fazer um desenho "direito", medo do que os outros iam achar. E a pessoa não desenhava. De certa forma, acho que eu atuava mais como um "psicólogo" do que como um professor. Eu fazia e refazia os desenhos junto com eles, tentava explicar o processo e valorizar a prática constante, mas o principal era mostrar que desenhar podia ser legal e não um peso. Mostrar que encontrar o próprio traço é uma busca que vale a pena e não é fácil. E que não há motivos pra se sentir vergonha do desenho que se faz porque cada desenho é parte do processo de amadurecimento do profissional. Como dizia Miles Davis: "erros não existem".
Enfim, foram dois alunos que me mostraram que de repente é hora de simplesmente sentar e fazer. Bianca Pinheiro e Francis Ortolan foram meus alunos na pós-graduação de Histórias em Quadrinhos da Opet. Os dois já atuavam com ilustração e a Bianca tinha sido minha aluna ainda na graduação. Na conclusão da pós, o pessoal apresentava uma história em quadrinhos completa. Só tive oportunidade de assistir a apresentação desses dois, mas achei seus trabalhos tão bacanas, tão instigantes, tão lindos. Na verdade, fiquei com os trabalhos dos dois na cabeça. De repente, eu ali, dando aula, e dois dos alunos já tinham feito seus quadrinhos e feito muito bem. Afinal, o que eu estava esperando?
Nunca estarei pronto. Sempre haverá algo pra melhorar: desenho, arte-final, personagens... Mas, afinal, quem está pronto? A gente dá o melhor de si e daí vê o que acontece. Essa é a regra de ouro.
Depois das apresentações de Francis e Bianca, fugi pra Ilha do Mel. Foi em novembro do ano passado. Era um recesso da universidade, no meio de semana, fora da temporada. Levei meu sketchbook e passei quatro dias caminhando na praia, tentando finalizar o roteiro de as coisas que Cecília fez. E terminei.
E daí foi rotina de trabalho: desenhar, finalizar, digitalizar, letreirar...
Penso que, de todo o processo de bastidores, são essas histórias de medos e superação que mais são importantes. Nós não construímos nada sozinhos, sempre temos uma ajuda. Seja ajuda direta, ajuda involuntária ou ajuda imprescindível. Catiane Matiello, Lielson Zeni, Renato Faccini, Marcelo Piuí, Cássio Shimizu, Bianca Pinheiro, Francis Ortolan, Eduardo Damasceno, Mitie Taketani, Chico Utrabo, José Aguiar, Danilo Beyruth, Gustavo Duarte, a galera da Nova Gráfica... pra essas pessoas e muitas outras, eu digo muito obrigado.
Valeu, gente!
:-)
********
"As coisas que Cecília fez" é um álbum de
quadrinhos de 60 páginas em preto e branco, formato 21x28cm. Não é aconselhável
para menores de 18 anos. R$20,00 mais as despesas postais. Você pode comprar o
álbum na Itiban Comic Shop (www.itibancomicshop.com.br) ou entrar em contato pelo
e-mail ascoisasquececiliafez@gmail.com.
segunda-feira, julho 09, 2012
Fazendo Modelo-Vivo
Modelo vivo...
Algumas coisas começam assim: a gente deitado na cama, olhando pro teto, pensando na vida.
Hoje em dia, ficar deitado na cama à toa é praticamente uma afronta moral. Mas algumas coisas começam assim. Você tá lá de bobeira, pensando, relembrando e daí de repente começa a fantasiar, imaginar conversas, imaginar pessoas.
Pelo menos é assim comigo.
Tem os casos em que as palavras começam a vir e daí é bom ter um caderninho à mão pra anotar. Nunca se deixa pra anotar depois. Anota na hora, na medida que as palavras vem vindo à cabeça.
Também não se pára pra pensar no que está fazendo. Só vai anotando. Correções, supressões, acréscimos, tudo é feito mais tarde. Ali, na hora, o importante é anotar.
Porque a coisa vai fluindo como um filme e é bom não contar com a memória pra anotar depois. Vai escrevendo ali, imediatamente, tipo repórter acompanhando ao vivo as ideias que passam.
E eu começo assim, com as palavras.
Não sei bem quando as imagens chegam. A ideia da modelo, da nudez, não sei dizer quando apareceu.
Depois passa um tempo. Nesse caso foram uns dias. Talvez umas duas ou três semanas.
Daí eu topei com a Batwoman do J.H. Williams III e pirei. Achei sensacional, tão sensacional que acordei no dia seguinte e simplesmente decidi que queria desenhar uma história em quadrinhos. Peguei o caderninho e comecei a imaginar.
Imaginei fazer algo no formato horizontal, pensando em trabalhos como Celluloid do Dave McKean. Desde o começo imaginei em dispor a história como uma tira horizontal para visualização na web.
Sentei com o sketchbook e comecei a esboçar a distribuição dos quadrinhos, mas imaginando como dispor a história em um formato horizontal de proporção 2:3 (bem próxima do formato comic book americano tradicional).
Um dia, quem sabe, eu faço uma versão impressa. :-)
Então, fiz os esboços dos quadrinhos, com a composição dos elementos, escolha de ângulos e enquadramentos e pré-distribuição dos textos.
Pré-distribuição de textos é uma coisa importante. É preciso ter certeza que o texto e o desenho não vão se sufocar, que as imagens não vão desaparecer atrás dos balões. Pra fazer a distribuição, eu vou seguindo o texto que tinha escrito no caderninho.
Aliás, também quando estou desenhando os esboços dos quadrinhos, eu sigo o texto escrito. Imagino os diálogos acontecendo e vou desenhando as expressões, os closes, as pausas, os planos detalhes, etc.
Uma vez feito os esboços de como vão ficar os quadrinhos, começo a pesquisa visual.
O principal era a modelo. Pra mim era importante que ela lembrasse uma moça de uma Playboy que comprei tem uns 15 anos atrás. Também me baseei na atriz Kate Winslet. Repare que não era questão de representar fielmente o rosto da atriz ou da moça da Playboy, mas só usar como base. A escolha dessas duas como modelo foi por razões totalmente afetivas.
Apesar do título, não usei nenhum "modelo vivo" na produção da história. Os desenhos do "artista" foram feitos com base em fotos de nus. O que me orientou na produção desses desenhos foi a experiência que tive nas aulas de desenho de observação com modelo vivo e um punhado de desenhos de referências que coletei da internet e dos meus livros.
A minha ideia era desenvolver algo que fosse bem solto e tivesse uma linha bem espontânea, gestual.
Já o "artista" é um piá pançudo qualquer. Os objetos (cavalete, chaleira, caneca) são objetos do meu cotidiano mesmo.
Feito um apanhado de referências visuais, comecei o desenho das páginas.
Os desenhos foram feitos em folha A4, sulfite comum, com grafite azul, tendo como referências os objetos reais e as fotografias. Não decalco as fotografias, mas uso como base para entender certas posições, caimentos de tecido, tipo de cabelo. Muitas vezes combino diversas fotos para fazer um único desenho (a mão de uma modelo, o rosto de outra, o tronco de outra...). Um Frankenstein.
Mas muitas vezes também eu desenho de cabeça. O piá pançudo da história foi desenhado praticamente sem referência alguma. Você pode reparar que a moça foi trabalhada com muito mais esmero que o garoto...
Feito o desenho a grafite azul no sulfite, reforço algumas coisas com grafite escuro tradicional (2B, numa lapiseira de 0,7 mm).
Depois, com uma mesa de luz, decalquei os desenhos do sulfite para folhas de canson A4, de 300 gramas, próprio para aquarela. Essas folhas vêm reunidas em 12 em um bloco vendido nas papelarias. Coisa simples, nada sofisticada e relativamente barata. Ah, essas folhas tem uma face mais texturada e outra mais lisa. Para essa história, usei o lado mais liso.
O decalque é feito com lápis bem leve (HB ou B) e depois da mesa de luz, com pincel, vou fazendo os contornos a nanquim. Pra detalhes pequenos, como os olhos, narizes e bocas, eu uso canetas nanquim 0,5 e 0,8 mm.
Feito os traços a nanquim, apliquei uma aguada cinza. Usei um tubinho de tinta aquarela cor preta, de um estojo da Pentel. Novamente, coisa bem simples.
Por certa insegurança, a cada passo digitalizei as páginas, desde os rascunhos até a finalização com aguada. A digitalização foi feita com resolução de 600 ppi. Depois eu fiz alguns ajustes nos tons de cinza, deixando mais escuros.
Já os desenhos "artísticos" da moça foram feitos num esquema diferente. Pensei em desenhar em A4, mas não tava ficando legal. Não parecia bom. Então, peguei uma folha A3 mesmo e desenhei rápido, buscando velocidade e espontaneidade. Fiz um punhado de desenhos até achar o estilo que queria. E daí digitalizei.
(Eu trabalho em A4 porque facilita o processo de digitalização. Meu scanner é A4. Quando faço A3, tenho que ficar juntando pedaços e corrigindo no photoshop. Acho um processo mais trabalhoso e chato.)
O letreiramento foi feito digitalmente, no photoshop. A fonte originalmente escolhida era no estilo "pincelada". Queria algo que parecesse bem manual, com jeitão de pincel mesmo. Mas achei que a leitura foi prejudicada.
Depois, recebi opiniões de amigos a respeito da fonte competir com o desenho e acabei optando por substituir por outra fonte mais legível. Um problema com letreiramento é encontrar uma fonte legível e esteticamente interessante e que ainda contenha todos os acentos ortográficos do nosso idioma...
Cheguei a considerar de fazer o letreiramento manual mesmo, escrevendo as letras em uma folha de papel vegetal e depois inserindo digitalmente, mas achei trabalhoso demais e ia prolongar ainda mais a produção.
Enfim...
Eu estou muito longe de ser um exemplo de disciplina, então, o que eu escrevo aqui é o relatório de um processo completamente amador: livre, feito sem pressão, por puro prazer.
Algumas ideias vão longe e demoram um bocado a serem realizadas, enquanto muitas nem chegam a sair da minha cabeça. No caso específico dessa história, eu me obriguei a terminá-la o mais rápido possível, mas ainda assim, alguns dias a preguiça falava mais alto.
Do começo ao fim, foram cerca de cinco semanas, incluindo viagens e dias ociosos. De desenho mesmo, foram duas semanas.
O processo foi lento e livre e por isso mesmo muito prazeroso. Estou com outra HQ engatilhada e logo deve vir à luz. Essa é bem mais simples.
Com a prática, espero acelerar mais o processo. É muito gratificante expor o trabalho e receber um retorno das pessoas.
No fim, como disse um conhecido meu, os quadrinhos tem essa coisa de "curtição". É legal fazer, é legal ler. Disciplina é muito importante, mas o prazer deve ser nosso maior propulsor. Pelo menos, no meu caso.
E é isso.
Até a próxima.
(Caso não tenha visto, você pode conferir o resultado final aqui).
Algumas coisas começam assim: a gente deitado na cama, olhando pro teto, pensando na vida.
Hoje em dia, ficar deitado na cama à toa é praticamente uma afronta moral. Mas algumas coisas começam assim. Você tá lá de bobeira, pensando, relembrando e daí de repente começa a fantasiar, imaginar conversas, imaginar pessoas.
Pelo menos é assim comigo.
Tem os casos em que as palavras começam a vir e daí é bom ter um caderninho à mão pra anotar. Nunca se deixa pra anotar depois. Anota na hora, na medida que as palavras vem vindo à cabeça.
Também não se pára pra pensar no que está fazendo. Só vai anotando. Correções, supressões, acréscimos, tudo é feito mais tarde. Ali, na hora, o importante é anotar.
Porque a coisa vai fluindo como um filme e é bom não contar com a memória pra anotar depois. Vai escrevendo ali, imediatamente, tipo repórter acompanhando ao vivo as ideias que passam.
E eu começo assim, com as palavras.
Não sei bem quando as imagens chegam. A ideia da modelo, da nudez, não sei dizer quando apareceu.
Depois passa um tempo. Nesse caso foram uns dias. Talvez umas duas ou três semanas.
Daí eu topei com a Batwoman do J.H. Williams III e pirei. Achei sensacional, tão sensacional que acordei no dia seguinte e simplesmente decidi que queria desenhar uma história em quadrinhos. Peguei o caderninho e comecei a imaginar.
Imaginei fazer algo no formato horizontal, pensando em trabalhos como Celluloid do Dave McKean. Desde o começo imaginei em dispor a história como uma tira horizontal para visualização na web.
Sentei com o sketchbook e comecei a esboçar a distribuição dos quadrinhos, mas imaginando como dispor a história em um formato horizontal de proporção 2:3 (bem próxima do formato comic book americano tradicional).
Um dia, quem sabe, eu faço uma versão impressa. :-)
Então, fiz os esboços dos quadrinhos, com a composição dos elementos, escolha de ângulos e enquadramentos e pré-distribuição dos textos.
Pré-distribuição de textos é uma coisa importante. É preciso ter certeza que o texto e o desenho não vão se sufocar, que as imagens não vão desaparecer atrás dos balões. Pra fazer a distribuição, eu vou seguindo o texto que tinha escrito no caderninho.
Aliás, também quando estou desenhando os esboços dos quadrinhos, eu sigo o texto escrito. Imagino os diálogos acontecendo e vou desenhando as expressões, os closes, as pausas, os planos detalhes, etc.
Uma vez feito os esboços de como vão ficar os quadrinhos, começo a pesquisa visual.
O principal era a modelo. Pra mim era importante que ela lembrasse uma moça de uma Playboy que comprei tem uns 15 anos atrás. Também me baseei na atriz Kate Winslet. Repare que não era questão de representar fielmente o rosto da atriz ou da moça da Playboy, mas só usar como base. A escolha dessas duas como modelo foi por razões totalmente afetivas.
Apesar do título, não usei nenhum "modelo vivo" na produção da história. Os desenhos do "artista" foram feitos com base em fotos de nus. O que me orientou na produção desses desenhos foi a experiência que tive nas aulas de desenho de observação com modelo vivo e um punhado de desenhos de referências que coletei da internet e dos meus livros.
A minha ideia era desenvolver algo que fosse bem solto e tivesse uma linha bem espontânea, gestual.
Já o "artista" é um piá pançudo qualquer. Os objetos (cavalete, chaleira, caneca) são objetos do meu cotidiano mesmo.
Feito um apanhado de referências visuais, comecei o desenho das páginas.
Os desenhos foram feitos em folha A4, sulfite comum, com grafite azul, tendo como referências os objetos reais e as fotografias. Não decalco as fotografias, mas uso como base para entender certas posições, caimentos de tecido, tipo de cabelo. Muitas vezes combino diversas fotos para fazer um único desenho (a mão de uma modelo, o rosto de outra, o tronco de outra...). Um Frankenstein.
Mas muitas vezes também eu desenho de cabeça. O piá pançudo da história foi desenhado praticamente sem referência alguma. Você pode reparar que a moça foi trabalhada com muito mais esmero que o garoto...
Feito o desenho a grafite azul no sulfite, reforço algumas coisas com grafite escuro tradicional (2B, numa lapiseira de 0,7 mm).
Depois, com uma mesa de luz, decalquei os desenhos do sulfite para folhas de canson A4, de 300 gramas, próprio para aquarela. Essas folhas vêm reunidas em 12 em um bloco vendido nas papelarias. Coisa simples, nada sofisticada e relativamente barata. Ah, essas folhas tem uma face mais texturada e outra mais lisa. Para essa história, usei o lado mais liso.
O decalque é feito com lápis bem leve (HB ou B) e depois da mesa de luz, com pincel, vou fazendo os contornos a nanquim. Pra detalhes pequenos, como os olhos, narizes e bocas, eu uso canetas nanquim 0,5 e 0,8 mm.
Feito os traços a nanquim, apliquei uma aguada cinza. Usei um tubinho de tinta aquarela cor preta, de um estojo da Pentel. Novamente, coisa bem simples.
Por certa insegurança, a cada passo digitalizei as páginas, desde os rascunhos até a finalização com aguada. A digitalização foi feita com resolução de 600 ppi. Depois eu fiz alguns ajustes nos tons de cinza, deixando mais escuros.
Já os desenhos "artísticos" da moça foram feitos num esquema diferente. Pensei em desenhar em A4, mas não tava ficando legal. Não parecia bom. Então, peguei uma folha A3 mesmo e desenhei rápido, buscando velocidade e espontaneidade. Fiz um punhado de desenhos até achar o estilo que queria. E daí digitalizei.
(Eu trabalho em A4 porque facilita o processo de digitalização. Meu scanner é A4. Quando faço A3, tenho que ficar juntando pedaços e corrigindo no photoshop. Acho um processo mais trabalhoso e chato.)
O letreiramento foi feito digitalmente, no photoshop. A fonte originalmente escolhida era no estilo "pincelada". Queria algo que parecesse bem manual, com jeitão de pincel mesmo. Mas achei que a leitura foi prejudicada.
Depois, recebi opiniões de amigos a respeito da fonte competir com o desenho e acabei optando por substituir por outra fonte mais legível. Um problema com letreiramento é encontrar uma fonte legível e esteticamente interessante e que ainda contenha todos os acentos ortográficos do nosso idioma...
Cheguei a considerar de fazer o letreiramento manual mesmo, escrevendo as letras em uma folha de papel vegetal e depois inserindo digitalmente, mas achei trabalhoso demais e ia prolongar ainda mais a produção.
Enfim...
Eu estou muito longe de ser um exemplo de disciplina, então, o que eu escrevo aqui é o relatório de um processo completamente amador: livre, feito sem pressão, por puro prazer.
Algumas ideias vão longe e demoram um bocado a serem realizadas, enquanto muitas nem chegam a sair da minha cabeça. No caso específico dessa história, eu me obriguei a terminá-la o mais rápido possível, mas ainda assim, alguns dias a preguiça falava mais alto.
Do começo ao fim, foram cerca de cinco semanas, incluindo viagens e dias ociosos. De desenho mesmo, foram duas semanas.
O processo foi lento e livre e por isso mesmo muito prazeroso. Estou com outra HQ engatilhada e logo deve vir à luz. Essa é bem mais simples.
Com a prática, espero acelerar mais o processo. É muito gratificante expor o trabalho e receber um retorno das pessoas.
No fim, como disse um conhecido meu, os quadrinhos tem essa coisa de "curtição". É legal fazer, é legal ler. Disciplina é muito importante, mas o prazer deve ser nosso maior propulsor. Pelo menos, no meu caso.
E é isso.
Até a próxima.
(Caso não tenha visto, você pode conferir o resultado final aqui).
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