quinta-feira, setembro 13, 2018

Sarjeta.



Olhe pra essa página.

Pra ela funcionar, você tem que participar. Tome o tempo que quiser. É você quem dará vida aos desenhos, é você que fará a água correr pela sarjeta. É você que pode viajar pelos escritos de todo o lixo que é tragado pelo bueiro. É você a única testemunha da pequena história que só se revela no último quadrinho. Mas pra tudo isso funcionar, depende de você.

Agora imagine esse mesmo episódio em um filme. Funcionaria? Talvez uma câmera lenta que nos desse tempo de ler a carta no final. Mas ainda assim, teríamos tempo pra ler a mensagem? E a câmera lenta não quebraria o ritmo?

E se fossemos narrar esse episódio na forma do conto escrito? Funcionaria? Poderíamos descrever como bem entendêssemos a água deslizando pela sarjeta, o lixo sendo arrastado por ela. Usar um texto mais objetivo ou perfumar a descrição com alguma poética. Ainda assim, os desenhos, a imagem, deixam muito mais espaço para o leitor aplicar toda sua própria poética.

Cada linguagem tem sua própria engrenagem, suas regras e limites. Às vezes, esses limites podem ser uma vantagem. Pra mim, a ideia acima funciona bem porque é uma história em quadrinhos. Estou certo de que ela não poderia ser melhor representada se fosse um filme ou um conto. Talvez uma música...

Fragmentos são arrastados pela sarjeta. A grande maioria é puro lixo, besteira, garatujas incompreensíveis. Mas, se nos déssemos ao trabalho de olhar com cuidado, com sorte, perceberíamos uma pequena tragédia, ou comédia, escorrendo por ali. Pedacinhos de vida legítima. Um fragmento na sarjeta e a partir dele você pode preencher o resto do quadro como quiser.

Nas histórias em quadrinhos, o espaço entre um quadrinho e outro é chamado de sarjeta.
É na sarjeta que o leitor constrói a história, amarrando o significado de um painel a outro. E aqui, o que se desenha e escreve é menos importante do que aquilo que não se desenha, nem escreve.

Matar um homem entre os quadros significa condená-lo a milhares de mortes (Scott McCloud, Desvendando os Quadrinhos)

Na vida real, a sarjeta extrapola os limites da rua para os papéis nos cestos de lixo, as pixações na porta dos banheiros, os quartos vazios e desarrumados, as janelas dos prédios que se parecem tanto com quadrinhos em uma página. Os gestos e olhares de uma pessoa.

A página que abre o post é do livro Nova York: a vida na grande cidade, de Will Eisner, lançado por aqui pela Companhia das Letras.

A vida é rica, a cidade é pulsante, as pessoas são apaixonantes e Eisner mostra isso tão bem que estou sorrindo até agora. Velhinho observador, ele coleta histórias de mendigos, velhos solitários, vizinhos dos bairros pobres, amigos de rua, perdidos da cidade. Aquela gente feia pra quem você não dá a mínima.

As Pessoas Invisíveis e suas pequenas tragédias.

O que a obra de Eisner escancara é a solidão. E é estranho notar como, mesmo no meio de tanta gente, tanta gente esteja sozinha.

Engraçado, não acha?

(Esse texto foi publicado originalmente nesse blog em meados de 2012).

sexta-feira, agosto 03, 2018

Quadrinhos para barbados

O Quadrinhos para Barbados é um projeto bem bacana com entrevistas e depoimentos de diversas pessoas envolvidas com a produção de quadrinhos nesse Brasilzão. Tive a oportunidade de falar sobre A Caixa de Areia,  um dos meus quadrinhos favoritos de todos os tempos.


segunda-feira, julho 30, 2018

Vertigo



Esse fim de semana eu li Vertigo: Além do Limiar, um projeto bem bacana do pessoal do Guia dos Quadrinhos celebrando os 25 anos do selo Vertigo.

Reunindo os chamados "títulos adultos" da DC Comics, isto é, as novas abordagens narrativas de gente como Alan Moore, Neil Gaiman e Grant Morrison, a primeira edição da Vertigo foi o número um da minissérie em três partes Death: the High Cost of Living, de março de 1993.



Lembro que me surpreendeu, na época, um erro de impressão. Na terceira e última edição americana, uma sequência que se estendia por uma dupla de páginas foi publicada em páginas separadas. Na versão brasileira, publicada pela Globo e Devir em 1994, o erro foi corrigido.


Foi muito delicioso ler Vertigo: Além do Limiar. Um monte de textos de fãs contando suas lembranças e impressões pessoais dos títulos e textos com considerações e análises que eu nunca tinha pensado. Destaco o texto de Marcela Godoy sobre Preacher. Fantástico.

Me bateu uma puta nostalgia. Acompanhei o nascimento da Vertigo como leitor e foi muito bacana. Inclusive, mexendo nas minhas coisas achei essa revista Vertigo, de janeiro de 1993, que trazia previews dos quadrinhos e explicava a proposta do título. "Se você já não nos conhece, você provavelmente nos viu por aí", escreveu Karen. Eu conhecia.

E ainda estamos por aí.